terça-feira, 6 de novembro de 2012

Maldito seja pela dor que me causou


(01/11/1981; Paris, França)

Mesa para dois. Espumante.
Uma taça, por favor.

As lágrimas de Paola e as bolhas do champanhe seguiam direções opostas.

Não sabia que matar era tão difícil.

sábado, 22 de setembro de 2012

Carla, sexo e drogas.


Acelerou.

Cortou sinais de trânsito, cortou carros e quase matou pedestres. Sete carros de polícia, contou olhando o retrovisor. Na avenida principal, retirou a fotografia de Carla do porta-luvas e segurou com força. Me espere, Carla. Eu te amo, cacete.

Jogou a fotografia pela janela e acelerou. Faltavam poucos quilômetros até o aeroporto. Um jatinho com 100 milhões de dólares e 200 quilos de cocaína estavam pra sair. Falta pouco, Carla. Vamos transar e beber piñas coladas no México até a morte.

Conseguia ver a distância a torre de comando do aeroporto e alguns aviões. Acelerou. Faltam alguns metros, Carla. Já sinto seu gost...

Viu um jatinho partir voando pelo céu nublado. Pensou ter visto Carla. Pensou em nada por alguns segundos e segurou as lágrimas. Deu meia-volta e, driblando carros de polícia, partiu em direção a ponte.

Pensou sobre a vida e o no que havia feito com ela. Pensou em sua mãe, suas irmãs e lembrou seu pai desaparecido. Pensou em Carla.

Já na ponte, virou o carro em direção ao mar. Se acelerasse, morreria com os peixes. Viu a polícia aproximando-se e pensou em se entregar.

Acelerou.

Ninguém morre


Parecia moleza.
A viseira do capacete embaçava um pouco. Num borrão, viu o saco de grana e o brilho prateado do revólver.
Esperava em sua motocicleta novinha. Verificou a garupa. Tudo em ordem. Olhou em sua volta. As ruas estavam vazias naquela noite.
Olhou novamente para a loja de conveniências. Sua mão suava. O suor limpou sua visão.
Tudo nítido agora:
Viu otários de mãos na cabeça tremendo no chão. Viu seu parceiro com o capacete preto parecido com o seu. O revólver em sua mão direita ainda brilhava prata contra a máquina registradora. Esperava que ele voltasse logo com a grana.
Aguardou-o com as duas mãos presas no guidão e com o pé pronto para dar partida.
Ali está ele. Voltando como um vencedor às pressas.
Um dos otários puxou uma pistola do bolso do casaco, dando dois tiros no vencedor pelas costas.
O vencedor caiu de joelhos. Voltou-se para trás e atirou. O otário atingido respondeu com mais três tiros.
Na moto, viu o sangue contrastado na jaqueta de couro branca de seu parceiro. Levantou a viseira e viu aquilo com horror.
Passou para a primeira. Tentou dar a partida. Nada.
Olhou freneticamente para a loja. O otário armado levantou-se.
Passou para a primeira. Tentou dar a partida. Nada.
Suas mãos tremiam. Estava ficando tonto. Sua visão ficou turva.
Passou para a primeira. Tentou dar a partida. Nada.
Abandonou sua motocicleta ali mesmo e tentou correr. Tropeçava em suas próprias pernas. Suas lágrimas o cegavam. Concentrou-se e tentou manter o controle. Correu o máximo que podia. Evitou pensamentos.
Não evitou pensar:
- Me perdoa, irmão. Nunca disse que te amava.

sábado, 11 de agosto de 2012

Volver, cabrón.


(Tijuana – México; 21/01/2012)

   Aquele barzinho mixuruca lembrava-o os bares vagabundos que seu pai costumava frequentar. Mesas de sinuca, posters de mulher pelada, decoração kitsch e uma jukebox. É, podia imaginar aquele velho bêbado caído no chão, ali perto da foto emoldurada da seleção mexicana de futebol.
   Assim que chegou, Túlio avistou Juan e mais dois caras armados jogando sinuca. Aproximou-se e cumprimentou-os. Pegou um taco e começou a jogar.

   Aquele lugar lhe fazia mal.

   Queria voltar para seu apartamento e relaxar ouvindo música como sempre fazia. Não queria ouvir aquela canção brega sobre cachorros e mulheres que tocava na presença de prostitutas malucas, um casal de obesos e velhos descamisados.
   Ainda que sentisse perder um pouco de sua alma a cada minuto, precisava manter a pose. Estava enlouquecendo e não podia permitir isso. Ajeitou o gravador por baixo da camisa, enquanto fingia coçar o peito e olhou-se no próprio reflexo em um vidro de uma janela suja.
   Notou o aumento de rugas em seu rosto desde que começara aquela operação policial. Dois anos, pensou. Dois malditos anos.
 
Desviou o olhar, procurando não pensar naquele carro em chamas, cheio de cabeças ensanguentadas que acabara de ver.
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Túlio infiltrou-se em um perigoso grupo do crime organizado no México por 5 anos, em uma investigação para identificar e localizar alguns dos traficantes mais influentes do país. 

Abandonou a carreira policial assim que terminou.

domingo, 6 de maio de 2012

Criança.

(Lapa, Rio de Janeiro - RJ; 12/07/2004)

Lapa.
Tinha um encontro com ela.
Vai terminar comigo, sei disso. Vou convence-la o contrário, sei disso.
Colocou seu colar de São Bento, vestiu-se e foi.

Prostitutas, playboys, maconheiros e gente bacana.
Saca só aquele pivete chegando perto. Vai pedir esmola, na certa.
Passa direto, BUM, mão rápida no colar de ouro. Porra, arrebentou.

- Qual foi, seu merda?

Esmurrou direto no nariz. Sangrou. Poxa, deve ter doído.
Continuou seu caminho, mas não se conteve: Olhou para trás.
Viu um menininho com o nariz ensanguentado, bunda no chão e de pernas abertas.
Pegou pesado, sabia disso. Você deve desculpas ao garoto. Deu meia-volta.

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- Como está o sorvete?
Esqueceu de Rita. Foda-se o encontro. Não tinha mesmo como continuar.
O menino lambeu os lábios, fez mais ou menos com a cabeça.

Conversaram sobre carros e desenho animado.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Piloto de fuga.

(Manhattan, NY - 01/02/1958)
 
É grana pra cacete.
   
Vou comprar aquela Ferrari. Pedir Anita em casamento, caramba. Vamos pra Roma, vamos gastar, vamos foder em um hotel chique. Quero dizer à ela o quanto a amo e contar tudo. Os rapazes, o plano, as mortes, o dinheiro... Tudo.
   
Quero falar com meu pai. Sinto falta dele. Vou procura-lo, vou encontra-lo, vou busca-lo. Nos abraçaremos, contarei minhas aventuras. Comprar um apartamento caro e mete-lo dentro.
   
É grana pra cacet...


- DIRIGE, CARALHO!!!! DIRIGE!!!!

Piscou.
Acelerou, bateu e morreu.

sábado, 24 de março de 2012

Papai faz 100 anos.

(São Paulo. 23 de fevereiro de 1993)

Só se lembrou do momento em que chamou a atenção de todos e das últimas palavras referidas à todos ali.

"Nunca mais volto." Disse finalmente, encarando-os. "Nunca mais?" se perguntaria mais tarde numa madrugada de insônia.

Entrou no carro onde uma mulher vestida de noiva sentava no banco de carona.

- Pra que se torturar assim? Que diferença faz?

- Vamos logo pra Paris - Disse ele, já de olhos marejados, baixinho para si mesmo.